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A doce e perigosa flor de samambaia

Chamada também de flor de Perun, é um símbolo muito importante, principalmente dentro da mitologia eslava, assim como pode ser encontrada na mitologia polinésia e também no folclore brasileiro.

Os povos eslavos acreditavam que a flor de Perun era capaz de proteger seu dono de todo tipo de doença, danos e mau-olhado. A flor da samambaia tem um efeito destrutivo sobre todas as forças das trevas, sem exceção, então o dono deste artefato é impenetrável e invulnerável ao mal. Além disso, a flor da samambaia permite ao seu dono descobrir tesouros escondidos no solo, além de realizar os desejos mais queridos e sinceros.

Outras lendas dizem que a flor da samambaia poderia ser armazenada e usada em muitos ritos futuros se imediatamente após colhê-la uma pessoa escondesse uma pétala debaixo da língua, nos sapatos ou em uma ferida profunda na mão. Então, a flor levaria o descobridor a lugares de felicidade ou até mesmo daria o dom da clarividência e a capacidade de se tornar invisível.

Uma das práticas mágicas mais interessantes é justamente usar os esporos da samambaia para encontrar objetos perdidos ou tesouros enterrados. Este é um ingrediente muito importante em algumas práticas eslavas, uma ideia também é usar em magias relacionadas a busca de empregos e oportunidades.

Segundo as crenças eslavas, a samambaia floresce apenas uma vez por ano, na mesma noite em que nasceram Kostroma e Kupala, ou seja, no dia do solstício de verão (20, 21 ou 22 de junho, no Hemisfério norte, dependendo da mudança do sol). Kupala e Kostroma eram gêmeos. Seus pais eram Simargl , o deus do fogo, e Kupalnitsa, deusa da noite. Eles nasceram no solstício de verão. Em homenagem ao seu aniversário, Perun deu a Kupala e Kostroma uma flor de samambaia, mas eles a apresentaram às pessoas como um sinal da unidade do mundo humano e do mundo dos deuses.

Certa vez, Kostroma e Kupala correram para um campo (ou para a margem do rio, segundo alguns mitos) para ouvir o canto dos pássaros Sirin (o pássaro da tristeza) e Alkonost (o pássaro da alegria). Ambos os pássaros, especialmente Sirin, eram perigosos. Aquele que ouviu o canto do Sirin entrou para sempre no Nav, o mundo dos mortos. Kostroma ouviu o canto de Alkonost, enquanto Kupala ouviu a música de Sirin. E então, por ordem do Governante do Submundo (provavelmente Veles ou Chernobog), Sirin e gusi-lebedi ( Os Gansos Cisnes Mágicos ) roubaram Kupala e o carregaram para o Nav.

Kupalo e Kostroma sentados, por Andrey Shishkin
Kupala & Kostroma por Andrey Shishkin. (Russian, 1960) – Óleo sobre tela

Muitos anos depois, um dia, Kostroma caminhou pelas margens do rio Volga e fez uma coroa de flores. Ela se gabou de que o vento não tiraria a coroa de sua cabeça. Segundo a crença, isso significava que ela não se casaria. Esta ostentação não foi aprovada pelos deuses. O vento ficou mais forte e a coroa foi soprada pelo vento da cabeça de Kostroma e caiu na água, onde foi recolhida por Kupala, que estava por perto no barco.

Segundo os costumes eslavos, quem pegou a coroa deve necessariamente se casar com a garota que a fez. Kupala e Kostroma se apaixonaram e logo se casaram, sem saber que eram irmão e irmã. Após o casamento, os deuses contaram-lhes a verdade. É por isso que Kupala e Kostroma cometeram suicídio. Kupala pulou no fogo e morreu, enquanto Kostroma correu para a floresta, se jogou no lago e se afogou. Mas ela não morreu, ela se tornou uma mavka (ou rusalka). Caminhando ao redor daquele lago, ela encantou os homens que encontrou em seu caminho e os arrastou para o abismo das águas. Ela os confundiu com Kupala e só descobriu que o jovem capturado não era seu amante quando já havia o afogado.

E então, os deuses se arrependeram, percebendo que sua vingança era cruel demais. Mas era impossível devolver o corpo humano a Kupala e Kostroma, e eles os transformaram em uma flor com pétalas amarelas e azuis, em que a cor amarelo-fogo era a cor de Kupala, e a azul, como as águas de uma floresta e lago, era da cor de Kostroma. Os eslavos deram à flor o nome de Kupala-da-Mavka (Kupala-e-Mavka). Mais tarde, na época da cristianização da Rússia de Kiev, a flor foi renomeada para Ivan-da-Marya (Ivan-e-Marya).

Como podem notar, a flor está muito ligada a uma celebração chamada Ivana Kupala, se quiserem que eu escreva mais sobre e sobre os mitos relacionados a mesma podem deixar aqui nos comentários, será um enorme prazer.

Recentemente foi lançado uma animação ucraniana que eu recomendo muito chamada: Mavka, conta justamente a história do espírito da floresta que se apaixonou por um ser humano através da música de sua flauta e como se deu a paz entre os seres humanos e os espíritos da floresta. Recomendo que comprem esse filme ou alugue-o em algum streaming, pois todos os fundos recolhidos serão usados para proteção, estudos, resgate dos Linces e também das florestas ucranianas.

A animação é maravilhosa, bem detalhada em magia, sendo possível ver diversas runas russas e suas aplicações, outra coisa que adoraria trazer para o blog. Vocês podem conhecer mais desse projeto e conhecer também a loja oficial deles neste link, dá para comprar livros e até o pingente que o Lucas deu para a Mavka no filme, sem contar que ainda estará ajudando uma causa.

Post da animação Mavka
Mavka, the forest song – Lançado em 2 de março de 2023. Disponível no Google Play Filmes

O resgate da flor

A magia é supostamente abundante durante o dia mais longo do sol e, em alguns contos, durante o dia mais curto do inverno também, e à meia-noite, a flor da samambaia desabrochava apenas na parte mais profunda e mágica da natureza selvagem. As lendas contavam que, se colhida, a flor oferecia riqueza ao seu dono e, em algumas histórias, poderes para afastar o mal, falar com animais e ler mentes. Dizia-se que os casais que iam para a floresta muitas vezes “procuravam a flor da samambaia”, pois ela dava aqueles que a encontravam o amor mais sincero e verdadeiro.

Para aqueles que realmente procuravam pela flor, demônios, e espíritos das trevas se aproximavam. A mesma magia que desabrochou a flor também lhes deu força. O tempo era curto e a flor florescia por apenas uma hora, por volta da meia-noite e um som alto descrito como um estalo, um estrondo ou um trovão segue seu nascimento. Assim, com tais ameaças em todos os lugares, alguns buscadores se cobririam com uma erva usada frequentemente para afastar espíritos, que era a Artemísia. Nos tempos cristãos, o rosário tornou-se o item usado.

Independentemente de como, se o buscador conseguisse alcançar a samambaia, veria uma flor brilhante vermelha, dourada ou roxa em seu caule. Eles devem traçar um círculo protetor ao redor de sua base e colher a flor enquanto os demônios os tentam. Ensurdecedores e numerosos, eles cercam o buscador, tentando fazê-lo desviar o olhar da flor da samambaia. Se o buscador cedesse aos espíritos, eles morreriam. Se eles fossem fortes, porém, e recuperassem a flor, então estariam um passo mais perto de seus sonhos.

Pintura “Kwiat paproci” (“Flor de Samambaia”) do artista Antoni Piotrowski (1853-1924), pintada por volta de 1900.
Pintura “Kwiat paproci” (“Flor de Samambaia”) do artista Antoni Piotrowski (1853-1924), pintada por volta de 1900.

Mas uma vez que a flor da samambaia fosse trazida para casa, o buscador poderia enfrentar terrores piores que os demônios. Embora a história pudesse ser positiva – com o buscador recebendo seus presentes maravilhosos sem nenhum custo – em outros, a riqueza foi amaldiçoada para nunca ser compartilhada. Eles observariam as pessoas ao seu redor sendo pobres e sofrendo, mas o buscador não poderia oferecer-lhes ajuda. Pois se eles doassem alguma parte da riqueza, tudo desapareceria.

A lição para isso deveria ser a força e estrutura da família e da comunidade. Muitas vezes se via que aqueles que arriscavam tudo para buscar a flor da samambaia estavam desesperados ou egoístas e, ao abandonarem suas famílias em busca da riqueza da flor, estavam condenando a si mesmos e àqueles que amavam. A família e a comunidade podiam fazê-los felizes, mas toda a riqueza da flor, incapaz de ser partilhada, não passava de um fardo.

No Brasil, Monteiro Lobato em seu livro “O Saci: Resultado de um inquérito“, fez um compêndio de diversas narrativas folclóricas brasileiras, lá podemos encontrar a narrativa “do senhor Belmiro Aranha”, da cidade de Pitangueiras (São Paulo), contando que a samambaia floresce apenas uma vez por ano, na noite da Sexta-Feira Santa. Aquele que colher a flor, alcançará todas as riquezas e se tornará irresistível para todas as mulheres do mundo. A samambaia, no entanto é guardada pelo Saci-pererê, que não deixa ninguém se apossar da flor.

Uma narrativa muito parecida com todos os mitos que já estudamos aqui, não é mesmo?

Roque Ferreira, cantor e compositor brasileiro, baiano, mais conhecido pela música Laranjeiras, também compôs uma música muito linda, chamada: Baile Perfumado, que me lembra muito o amor e a dor da perda de Kupala e Kostroma, em sua música ele fala:

“É por ali que eu chego
Onde perdi meu sossego
E a dor aprende a doer
Lá eu morei eu e ela
Uma cafuza mais bela
Fulô do samambaial”

Baile Perfumado – Roque Ferreira

O escritor Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Aos santos de junho, incluído no livro Versiprosa (1967), também faz referência a essa tradição, com os versos:

Sei que não és culpado, meu querido.
Amas o fogo, a sorte, a clara de ovo,
a flor de samambaia e seu sentido
mágico, à meia-noite, para o povo.

Símbolo eslavo “Puro de espírito” que representa a flor da samambaia.

Todos sabemos que a samambaia, por ser uma planta que se reproduz sem flores, não existe uma flor de Samambaia, mas acreditamos em magia e se por um acaso avistar uma, não hesite em pegá-la. Os antigos povos eslavos, pensando também em trazer esta magia e todos estes simbolismos em seu cotidiano, criou um símbolo com oito pontas, bordados em suas vestes e desenhado em suas casas, sem falar que oito é um número bem interessante para prosperidade, não é mesmo?

Este símbolo carrega a magia da flor da samambaia, assim como o amor de Kupala e Kostroma.

Algumas fontes:

Aedan Gribnoy

Sacerdote wiccaniano e iniciado, sou o fundador do Além da Sebe, sou tarólogo, runólogo e extremamente apaixonado pela natureza. Acima de tudo, um eterno aprendiz.

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